sexta-feira, 25 de julho de 2008

Influência da animação canadense no Brasil

Essa segunda-feira dia 28 de julho estarei em Brasília com Daniel Schorr e Belinda Oldford falando sobre a influência da animação canadense no Brasil. Segue abaixo o texto que mandei para o folheto do evento com algumas mudanças e links interessantes. De forma alguma quero fechar o assunto com esse texto. Ele é altamente discutível, só um ponto de vista prematuro sobre o nosso mercado:

A influência de Norman Mclaren e seu conjunto altamente premiado de obras teve grande impacto nos diretores de seu tempo. Tanto nos realizadores mais próximos quanto no mundo cinematográfico, estendendo o conceito de filme autoral como obra de arte. Ainda hoje vemos a ressonância dessa influência na animação canadense, mesmo nos trabalhos mais comerciais.

A National Film Board é o simbolo da preservação dessa autorialidade. O experimentalismo, o desenvolvimento de novas técnicas e as questões não-comerciais marcam cada produção do estúdio desde a sua criação e fazem dele uma força única e necessária.

Um ponto culminante para nós foi o famoso workshop dos anos 80 em que a NFB veio ao Brasil e formou realizadores. Desse núcleo de treinamento saíram os artistas que modelaram nosso mercado disseminando a herança Mclariana, inspirando as gerações seguintes e desenvolvendo dezenas de projetos de multiplicação do conhecimento. Entre os projetos mais bem sucedidos se encontra o festival Animamundi, responsável pela a formação de centenas de profissionais.

Outro canadense que teve grande influência no Brasil foi Richard Williams. Diretor de animação do mega sucesso hollywoodiano "Who Framed Roger Rabbit" é considerado uma das lendas da animação e escreveu provavelmente o livro mais lido pelos animadores, tanto aqui quanto no resto do mundo: The Animator's Survival Kit. Abrindo com isso a caixa de Pandora quanto à técnica da animação 2D norte-americana.

A soma desses fatores seminais à sustentabilidade financeira oferecida pela publicidade brasileira fizeram da conjuntura atual de nosso mercado um caso a parte no mundo. Nossa formação é autoral, parcialmente auto-didata e artesanal, e não industrial-"clássica". Os realizadores tendem a formar estúdios pequenos, multidisciplinares, que produzem trabalhos comerciais onde, ocasionalmente, desenvolvem seus trabalhos autorais (auto-financiados ou através de apoios e editais).

Outro ponto que merece atenção foi a explosão da produção independente infantil para TV. Hoje, muitas das séries que nossas crianças assistem são produzidas ou co-produzidas no Canadá e esse "Boom" teve um reflexo determinante. Primeiro porque nossas novas audiências foram formatadas para conceitos de produção comerciais e culturais dos quais não tínhamos acesso. Segundo porque nosso mercado, por ser formado por autores e pequenos estúdios, tem uma dificuldade compreensível em se industrializar, deixando o Brasil de fora de um mercado internacional viável.

Em meio a essa questão surgem as novas tecnologias digitais mudando, principalmente, os modos de produção industrial, diminuindo prazos e orçamentos e forçando mudanças de paradigma. Vemos, no Canadá, o surgimento de softwares como ToonBoom, o Maya e a Sandee que visam acompanhar as novas necessidades do audiovisual e viabilizar produções. Os grandes complexos industriais começam a ficar cada vez menos atraentes e a formação de estúdios artesanais com produções integralmente digitais é cada vez maior.

Ao mesmo tempo os computadores e os softwares começam a custar cada vez menos. Muitas das informações "secretas" dos grandes estúdios hoje são senso comum, podem ser achadas em livros e na internet. O mercado fechado do passado se torna um terreno fértil para novas idéias e temos acesso ao que está sendo feito hoje, no mundo todo, em tempo real. Um bom exemplo de toda essa renovação é a sala de projeção virtual do YouTube distribuindo filmes como os vencedores do Oscar "The Danish Poet" e o "Ryan", ambos da produzidos pela NFB, e a sala de projeção virtual da AWN.

Nesse momento podemos prever uma reinserção do Brasil. Mão de obra (concentrada em pequenos estúdios), capacidade artística(diferenciada) e acesso à tecnologia nós já temos. Desenvolvemos inclusive nossa própria versão viável de tecnologias (ver as novas salas Rain ou os SMDs). Parece que o que falta agora são de roteiristas, produtores e investidores para explorar um mercado que gera bilhões fora daqui.

4 comentários:

Marcos Piolla disse...

Fala, Diego!

Artisticamente, a influência da Animação canadense aqui no Brasil foi exelente. Infelizmente, essa cultura "autoral" e de produção por pequenos estúdios acabou dando margem para que muitos animadores brasileiros confundissem o autoral e o pequeno com amadorismo e ausência de história.

É comum assistirmos a "animação de formas", coisa muito chata e batida mesmo em grandes festivais de qualidade como o Animamundi. O Animador brasileiro ainda tem dificuldade com a produção de áudio e diálogos implicam em contratar atores vocais. Isso custa dinheiro que nem sempre pequenos estúdios tem.

Outro problema é a história. Não temos uma cultura de bons roteiros aqui. Não sei por quê, visto que temos exelentes escritores. A linguagem cinematográfica também é um fator negligenciado. Cansei de ouvir renomados Animadores referirem-se a Cinema ou vídeo (sim, depreciando o vídeo) como sendo a mídia publicada o fator determinante pra um produto ser considerado arte maior (Cinema) ou mera brincadeira de amadores (vídeo). Sempre defendi que Cinema é LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA e deve ser considerado assim independente da mídia onde for publicado. Um dia vai acabar a película e não terá mais Cinema? Que bobagem!

Os meios digitais, tanto de produção quanto de veiculação, estão aí para democratizar o processo produtivo. Isso é sensacional. Como cita o artigo da AWN que postou, apesar de defasado em alguns números, qualquer um, nos dias de hoje, tem condições de produzir uma animação. Muitos Animadores têm receio de que isso possa disseminar uma enxurrada de amadorismo na Animação. Claro que vai. Se a nossa produção já era amadora, imagina agora.... porém, acho muito bom que isso aconteça porque bons profissionais também terão acesso à uma tecnologia viabilizadora. Isso, nas mãos de um Artista (com A maiúsculo) o diferencia do amador e dá margem para que sobressaia. Não há mais desculpa! Só não produz Animação de qualidade quem não quer ou, claro, não tem competência para tal.

Hoje é possível produzir 5 minutos Animação de qualidade em menos de um mês, com uma equipe de 2 a 3 profissionais, por um preço mais acessível que jamais tivemos em toda a história da Animação.

Eventualmente, isso será possível em qualquer pequena produtora e as únicas coisas que vão faltar pra alguém investir em um produto de qualidade, são: uma boa história que valha ser contada e domínio da linguagem cinematográfica. Essas, a meu ver, são as mais difíceis de conseguir.

Diego Stoliar disse...

O filme experimental tem um papel comercial importante, tanto no sistema industrial quanto no artesanal. Da mesma forma que o designer se influência pela arte para criar os projetos de produção em massa, os grandes estúdios usam as soluções de linguagem desenvolvidas pelos experimentalistas para renovar o comercio cultural e evitar a saturação do público. Um exemplo claro é a mudança cada vez mais clara dos filmes hollywoodianos que se alimentam das, cada vez mais curtas, vanguardas cinematográficas.

Acredito que no caso dos estúdios menores essa mudança seja mais fácil e mais rápida. A influência externa pode afetar o produto final do dia para a noite. A multidisciplinaridade e a autorialidade dos profissionais deixa esse processo ainda mais eficaz. Isso torna o produto artesanal mais adaptável, tanto em termos de viabilidade de produção quanto em termos de "frescura" de linguagem etc.

Concordo contudo que apenas copiar os pioneiros não configura uma vanguarda e muito menos uma boa estratégia comercial a que todos (tanto os industriais quanto os artesanais) estão conectados, ainda mais sem alguma compreensão dos conceitos e dos momentos históricos e culturais que deram espaço para aquelas obras. E que esse pode ser um comportamento destrutivo para o realizador.

Acredito que a formação autodidata por outro lado tem algumas vantagens: Primeiro um desprendimento desses padrões de mercado que mesmerizam os filmes (e outros produtos audiovisuais) industrializados. Segundo o desenvolvimento de processos diferenciados e otimizados de "produção com um mínimo de recursos". Terceiro uma especie de seleção natural, que durante anos retirou do mercado realizadores que não desenvolveram saídas sustentáveis, etc...

É claro que agora, com o impacto produtivo da tecnologia, muitas produções menos amadurecidas surgiram, mas acredito que novamente, com o tempo, só os produtos que tiverem algum potencial de público sobreviverão. A duras penas os investidores aprenderão a separar o joio do trigo, a perceber que o barato sai caro e a identificar quais realizadores tem o potencial de atingir o público e quais estão ali para apenas sugar o dinheiro. Esse é um know-how de investir em produtos culturais que só vem com o tempo, infelizmente.

A falta de roteiristas é compreensível, já que o nosso audiovisual ainda está se configurando como mercado. Não existe suficiente procura por roteiristas para justificar a dedicação de profissionais exclusivamente a essa área. A falta de um grande número de produções altamente lucrativas também afeta esse mercado - Como saber em que roteirista confiar? Quem consegue uma conexão certa com o público? Quem tem um grande número de "blockbusters" nas costas? Hoje dá para contar nos dedos... é o velho problema do ovo e da galinha... leva tempo.

Sobre o artigo da AWN: Achei interessante exatamente por ser desatualizado. O artigo é de 1998 e desde aquele ano já se falava em estúdios artesanais funcionando como negócio, o que mostra que hoje o conceito está mais que amadurecido.

Sobre os segredos do sucesso entretanto: não acredito que para produzir uma animação seja necessário apenas uma boa história e domínio da linguagem. Até porque hoje esses são conceitos altamente subjetivos. Pode-se ter uma boa história, um bom animatic e nenhum investidor, nenhuma equipe, nenhum orçamento, nenhuma distribuição, nenhuma janela e por ai vai. São multiplos fatores e, no meu ver, o segredo é se inserir, conhecer todos os fatores e viabilizar a produção, nem que para isso toda uma nova solução seja necessária para cada etapa do processo.

Anônimo disse...

Muito legal o texto. Acredito que o caráter auto-didata desta geração de animadores deve-se, no entanto, mais à falta de escolas e referências da era pré-internet do que efetivamente de uma ideologia de cinema de autor adquirida por influência canadense. Acho que a maior parte de nós nem tinha acesso ao trabalho ou filmes da NFB, aqueles que tiveram esse contato foram uma pequena exceção fortuita.

Também acho que a importância do Richard Williams é geralmente superestimada, e nesse caso ainda mais. O livro do Richard Williams foi publicado quando a maior parte dos animadores brasileiros em atividade já trabalhavam como profissionais há anos. É bem pouco provável que a formação dessa geração tenha passado pelo "Animator's survival kit", mas sim pelo "Illusion of Life", model sheets e cenas pirateadas de grandes estúdios na base do xerox e muitas fitas mal gravadas de vídeo cassete.

De qualquer maneira o perfil do mercado me parece bastante preciso, ainda que preliminar. Seria interessante aprofundar-se nesse tipo de análise, continuem com o ótimo blog!

Diego Stoliar disse...

Ei Paulo,
obrigado pelo seu comentário!

Eu tive algumas limitações para escrever esse texto: Primeiramente tive que falar da influência canadense apenas, e em segundo eu tinha 1 ou 2 laudas para apresenta-las e traçar uma linha entre essas e o nosso mercado atual.

Concordo que muitos não tiveram contato direto com o material da NFB ou do McLaren, eu também não tive em um primeiro momento... Acho que a influência foi indireta, através desses "projetos de multiplicação do conhecimento". Desculpa se isso não ficou tão claro.

O mesmo vale para o "Illusion of Life": Não é uma influência canadense... Dai tive de pular diretamente para o "Survival Kit", que foi lançado em 2000. O que deixa essa toda essa lógica apenas para os últimos 7 anos, criando provavelmente essa discrepância.

Em compensação nos últimos 7 anos acredito que o número de animadores no Brasil tenha pelo menos dobrado e que a maioria possua o "Survival Kit" por se tratar de um livro mais prático, mais barato, relativamente fácil de achar, e menos "preparatório de mão-de-obra para mega-estúdio industrial"... Eu posso estar redondamente enganado também :)

Pra fechar: acho que as considerações são pertinentes e acho que vale uma revisitada no texto, principalmente incluindo as influências americanas, japonesas e européias.